Cilto José Rosembach


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A comunidade participa da programação na rádio comunitária

11/07/2018 11:20

A comunidade participa da programação na rádio comunitária

                                                                                                                 *Cilto José Rosembach

A participação da comunidade na rádio comunitária, seja por carta, telefone ou ao vivo, significa ampliação da voz e da vez dos moradores. Essa participação influi na organização da emissora e na definição da sua linha editorial, além de trazer pautas e temas a serem apresentados e debatidos. A participação implica que a emissora promova formação técnica dos comunicadores comunitários.

Uma das formas de participação da comunidade é por cartas enviadas pelo correio ou entregues pessoalmente para o comunicador, que também é da comunidade, ou diretamente na emissora. São cartas muito importantes, porque pautam o programa e a emissora. Trata-se de uma forma de participação efetiva, pois quem escreve passa da condição de receptor para a de emissor, com poder de inserção de matérias.

Abaixo segue a transcrição de cartas de três ouvintes aos programas da Rádio Cantareira FM, 107,5.

São Paulo, 19 de outubro de 2005

Ao apresentador Gilberto Cruz

Programa: Meu Caro Amigo

 

Estou escrevendo para dizer que o tema sobre o problema dos esgotos a céu aberto que vocês falaram no programa do sábado passado teve uma repercussão danada aqui na Favela do Icaraí onde vivem mais de 2000_famílias.

Aqui as famílias vivem no meio do esgoto. Nós não temos saneamento básico. Os ratos se alimentam do esgoto. Eles aparecem entre os buracos dos canos furados ou quebrados do esgoto.

Mas, gostaria sugerir para os próximos programas que falassem sobre a desnutrição infantil. Aqui na Favela do Icaraí são centenas de crianças de 0 a 5 anos que estão abaixo do peso e desnutridas. A Pastoral da Criança não está dando conta de atender tanta criança. Seria bom convidar o pediatra do Posto de Saúde ou a coordenadora de saúde da região para explicar por que a prefeitura não está dando atendimento a estes casos e encaminha para a Pastoral da criança.

Irani da Luz

Líder comunitária da Pastoral da Criança

Telefone: 3923-5443

 

 

Prezados apresentadores Ari Galvão e Regina Galvão

Programa Comunicação e Saúde

 

Sei que o programa Comunicação e Saúde está tratando do câncer de mama. As orientações do programa têm ajudado muitas mulheres aqui da comunidade do Jardim Vista Alegre. Tem umas que criaram coragem e foram marcar o exame de mamografia no posto de saúde. Outras estão fazendo o auto-exame que também ajuda. Acho que o jeito como vocês falam do assunto não assusta as mulheres, pelo contrário elas encontram coragem para fazer o exame. Muitas não vão fazer o exame de medo.

O problema que eu gostaria que vocês comentassem no programa é a falta de médicos e a demora em conseguir os exames aqui no Posto de Saúde. Não tem outro jeito de fazer os exames. Tem que passar pelo Posto.

Tem mulheres que ficam até cinco meses na fila e depois demora outro tanto para receber o resultado. O exame do papanicolau demora até seis meses para chegar o resultado no posto. Isso está colocando em risco a vida destas mulheres. Além de desanimá-las pela demora.

São Paulo, 20 de dezembro de 2005

Lucivane Pereira de Oliveira

Jardim Vista Alegre

 

 

Olá amigos da equipe do programa Espaço das Comunidades

 

Sou Marinete Barreto, educadora popular e participo da comunidade Nossa Senhora Aparecida.

 

Estou muito preocupada com o problema da destruição ambiental que está acontecendo na da Serra da Cantareira por causa dos aterros clandestinos aqui no Jardim Damasceno. São caminhões e caminhões de entulho que entram todos os dias no aterro e ninguém faz nada. A prefeitura interditou no dia 3 de setembro as entradas do aterro, chamou a imprensa, fez um estardalhaço, até o secretário do meio ambiente esteve no local. Mas ninguém foi preso e horas depois eles quebraram os obstáculos e continuam até hoje com as atividades.

A população não pode abrir a boca porque são ameaçadas de morte. A prefeitura não garante a fiscalização. Os donos continuam soltos e aprontando no bairro.

Espero que vocês possam falar desse assunto nos próximos programas.

São Paulo, 15 de janeiro de 2006

Marinete Barreto

Jardim Damasceno

 

Como se pode observar, os ouvintes apontam nas cartas sugestões para próximos programas e também denúncias. Fazem da rádio comunitária uma aliada para expressar a sua indignação, ampliar a sua voz, fazer protesto e reivindicar os seus direitos. Cobram, pelo rádio, respostas e ações das autoridades para que haja uma interferência na realidade, encaminhamentos de solução para os problemas.

Somente essas três cartas de três bairros, Vila Icaraí, Jardim Vista Alegre e Jardim Damasceno, levantam várias pautas e apontam para a realidade em que o povo vive nos bairros. Os temas que aparecem nas cartas são bastante significativos para a vida das pessoas. Quem escreve tem preocupação com a coletividade. Os temas que aparecem são: saúde das crianças, desnutrição infantil, ratos, esgoto, saúde da mulher (o câncer de mama e o exame de mama) e o depósito clandestino de lixo na Serra da Cantareira.

Nas cartas acima decritas há cobrança ao poder público. Isso aparece quando um membro da Pastoral da Criança cobra explicações do posto de saúde em relação às crianças desnutridas. Também há denúncia quanto ao atendimento, no exemplo em que cita o tempo de demora para marcar exames e para receber os resultados.

Observa-se, nas cartas enviadas à Rádio Cantareira, a denúncia sobre o silêncio forçado da população que não pode falar sobre o aterro clandestino de entulho na Serra da Cantareira. Ainda há a denúncia de que a Prefeitura não fiscaliza essa área.

Pode-se perceber que as lideranças dos bairros têm consciência do uso do meio de comunicação popular, não como aquele que soluciona problemas, mas como um aliado, um mediador na luta diária pela melhoria do bairro.

Os relatos de membros das rádios ora analisadas apontam que há um esforço dos líderes dessas emissoras para que esse processo participativo seja efetivado, assim como há um esforço para seja preservado o projeto de comunicação alternativo.

A rádio comunitária é um laboratório de aprendizagem; além das pessoas poderem falar no rádio, elas recebem capacitação na área da comunicação e se envolvem com os problemas da comunidade, da sociedade. Por exemplo: na rádio comunitária há um apresentador que é boliviano e fala em espanhol dos problemas que os países da América Latina estão vivendo e principalmente da imigração latina em São Paulo e a problemática e luta para sua legalização e trabalho aqui. Ele denuncia as condições de trabalho que são submetidos milhares de irmãos bolivianos aqui no Brasil, seja por brasileiros ou pelos próprios bolivianos.

Um aspecto importante que a Rádio Cantareira desenvolve é a formação continuada das equipes de comunicadores. Os cursos também são abertos à comunidade. Temos cursos em nível 1, 2 e 3. Para nos organizarmos e tomar as decisões, a equipe se reúne uma vez por mês para avaliar questões da programação; a organização interna e a sustentação financeira do projeto. São tratados desde como adquirir novos equipamentos ou mandar para o conserto, até novos programadores e programas Este espaço é fundamental para assegurar o exercício da comunicação democrática. (Juçara Terezinha Zottis, Rádio Cantareira)

José Severino da Silva aponta que a participação efetiva-se principalmente com a ida dos ouvintes diretamente até a emissora, levando recados anotados em papel, ou com a participação por telefone, por gravações de programas com líderes comunitários sobre os projetos sociais desenvolvidos na comunidade e representantes das diferentes áreas do poder público.

O ouvinte fala no ar, ele fala com a voz dele mesmo para a comunidade. Ele é daqui e esta soltando a voz e dizendo para sua comunidade. Jornalismo Comunitário que eu entendo é nós estarmos levando a coisa correta e verdadeiramente para a comunidade, porque às vezes a comunidade está acomodada. Por ela estar acomodada a cidadania não é exercida. Vou dar um exemplo: na UBS [Unidade Básica de Saúde] está lá na recepção o cidadão que ganha pelo município para atender e o cidadão que chega lá às vezes é maltratado, ele não chega lá nem doente, mas por maus tratos sai até doente, com uma dor de cabeça uma enxaqueca, e ele chegando até a nós diz: “ó Miúdo está acontecendo isso, lá na UBS”; eu vou direto no secretário de saúde e conto a ele, mas primeiro, falo no ar para a comunidade, para que todos procurem seus direitos. Todos têm de dizer: eu quero ser bem tratado. Então é isto o que considero jornalismo: é a comunidade participar, é ela estar levando e dizendo a verdade a todos. (José Severino da Silva, Rádio Esperança)

Ainda nos relatos dos membros das rádios se observa a ênfase para um conteúdo de crítica ao poder público, principalmente no que se refere à prestação de serviço e à necessidade de que órgãos do poder público informem os moradores:

Eu me preocupo em levar o jornalismo para essa comunidade. Então nós temos aqui o médico da família, que dá uma entrevista, faz uma palestra, fala sobre AIDS, e a comunidade está ouvindo. Aí vem outro médico que fala da tuberculose. Esse é o jornalismo que eu considero importante ao prevenir a população justamente em relação ao que pode acontecer. Surge a dengue e nós trazemos a equipe da dengue, para dar uma palestra justamente sobre como prevenir; se temos problema com a lei, trazemos um advogado e o advogado fala: se você cometer tal infração você vai ser penalizado em tal artigo. Acompanhamos também o trabalho da prefeitura. Quando o Prefeito erra, nós dizemos: o Prefeito errou. A gente como cidadão tem que entender isso e precisa fizer a crítica construtiva. Isso para nós é uma forma de jornalismo em nossa comunidade. (José Severino da Silva, Rádio Esperança)

A rádio comunitária também é destacada como um meio que tem despertado curiosidade por parte de muitos estudantes de comunicação, como relata Juçara Terezinha Zottis:

O projeto comunitário da rádio Cantareira tem sido muito procurado por estudantes de graduação e mestrado com o objetivo de pesquisar e conhecer como a rádio está organizada, que tipo de equipamentos utiliza. Quem são os programadores, como tem conseguido ficar no ar por mais de 10 anos. É interessante que aos poucos as experiências de rádio comunitária estão sendo descobertas pelas faculdades e universidades, até porque a comunicação comunitária está ainda muito incipiente nos cursos de formação de profissionais na área de comunicação. Vale registrar que na PUC de São Paulo há uma disciplina específica, na graduação de jornalismo, sobre rádio comunitária.

Atualmente, as rádios comunitárias têm sido um importante canal de difusão de informações e campanhas de interesse público. Há uma gama de programas produzidos por instituições que os distribuem às rádios comunitárias. As produções chegam às rádios em fitas K7, CDs, MDs ou mesmo já podem ser gravadas a partir dos sites da internet.

A programação da rádio também inclui a reprodução de programas e programetos com temáticas variadas que recebemos por correio ou baixamos da internet. Esses programas são muito importantes porque tem conteúdo informativo para os ouvintes e também porque já vem produzidos, o que facilita na programação da rádio que se aborde temas bem diferentes, como por exemplo: campanha contra a violência doméstica, vozes da terra, pastoral da criança, plantão saúde, ciranda da cidadania, saúde da mulher, carretel de invenções, potyrão, guia de políticas públicas, mulheres em ação, rádio comunitária, entre outros. Esses programas são intercalados na programação diária da emissora. (Juçara Terezinha Zottis, Rádio Cantareira)

Quanto à importância das rádios para comunidade, tanto na periferia de uma grande metrópole, como São Paulo, quanto em um bairro litorâneo do Estado, o relato dos membros dessas emissoras aponta para a rapidez na chegada das informações para a população e para a facilidade de acesso.

Um dos meios de maior agregação dos habitantes da Vila Esperança vem sendo a rádio comunitária. Por intermédio da rádio, os moradores tomam consciência de cada evento promovido pelas Sociedades de Melhoramentos que existem nos bairros próximos e são convocados a participar.

Temos também outros meios de comunicação: o boca-a-boca, a panfletagem e os cartazes que são colocados na escola, em locais visíveis. Mas a rádio é que chega primeiro, rapidamente. Ela tem capacidade de mexer com a população e mantém informados os moradores, mesmo em relação a questões que não dizem respeito diretamente a eles. (José Severino da Silva, Rádio Esperança)

 

Nas comunidades acontecem muitas coisas. Há muitas articulações com os órgãos do poder público que dizem respeito à vida das pessoas e a rádio é um meio de comunicar o que está acontecendo ou mesmo de chamar as pessoas para participar. Por exemplo: informar dia, hora e local das reuniões dos conselhos gestores das unidades básicas de saúde, reuniões do movimento de alfabetização de jovens e adultos, comunicar os locais de inscrição para estudar em cursos supletivos; semana de cinema; programação da casa de cultura, programação dos centros esportivos, jogos escolares, festas e eventos culturais como festas juninas, bailes juvenis, reuniões dos grêmios escolares, divulgação de oficinas de artesanato, projetos de geração de renda, celebrações/cultos das igrejas, informar as reuniões com as instituições públicas, campanhas de solidariedade e humanitárias, divulgação de mutirões diversos como os de limpeza da rua, córregos, escolas etc.

A rádio chega até o ouvinte e o ouvinte também liga, escreve ou vem para a rádio trazer as informações, recados, contribuições e denúncias. Um exemplo de denúncia aconteceu no Jardim Damasceno, quando as pessoas ligavam para a rádio para dizer que os caminhões estavam descarregando entulho em aterros irregulares na Serra da Cantareira. Também recentemente as denúncias de venda irregular de terrenos em área de preservação ambiental e ainda a falta de medicamentos, obrigatórios nas unidades de saúde, a falta de vagas para as crianças nas creches e no ensino fundamental. (Juçara Terezinha Zottis, Rádio Cantareira)

 

*Graduado em: Filosofia, teologia, pedagogia, mestre em comunicação, radialista- locutor, fundador do Jornal Cantareira, da Rádio Cantareira,  Associação Cantareira, do Projeto de Alfabetização de Jovens e Adultos, pároco na paróquia São José Perus-SP, Coordenador da pastoral presbiteral, foi assessor durante 20 anos da pastoral da comunicação na Região Episcopal Brasilândia, defendeu a tese de mestrado em Jornalismo da Rádio Comunitária, 2006,PUC-SP, diversos artigos sobre comunicação e pastoral.