Cilto José Rosembach


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A comunicação, um direito universal

11/07/2018 11:18

                                                         A comunicação, um direito universal

                                                                                                                                     *Cilto José Rosembach

Entre os diversos direitos humanos tidos como fundamentais está a comunicação. A Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada pela ONU em 10 de dezembro de 1948, em seu art. 19 trata do direito à comunicação e afirma:

Todo ser humano tem direito à liberdade de opinião e expressão. Este direito inclui a liberdade de, sem interferências, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e idéias por quaisquer meios e independentemente de fronteira.

Na prática, porém, nem sempre esse direito está assegurado. O sistema de comunicação adotado no Brasil fere esse direito ao não regulamentar o art. 6º da Constituição Federal de 1988, que rege o formato de comunicação pública. Isso também ocorre quando os governos optaram por um sistema privado, no qual os grandes meios de comunicação se tornaram empreendimentos comerciais, políticos e econômicos, tanto que um dos negócios mais prósperos no conjunto da economia mundial é a indústria da comunicação. Facilmente esses meios servem de mecanismos ideológicos importantes na sustentação do pensamento único da classe dominante. Dessa forma, com o monopólio, o acesso da população para participar e interferir na comunicação fica prejudicado. Essa questão é tratada por Guareschi (2005, p. 39), que afirma estar o monopólio da mídia estreitamente ligado à problemática da globalização.

Como já dissemos, o sistema neoliberal tem fortalecido três latifúndios estratégicos de poder: a detenção do capital financeiro, a concentração de terras e o monopólio das comunicações. Os proprietários dos meios de comunicação detêm significativos capitais econômicos e políticos com capacidade de anexação e controle ideológico, social e cultural. Dessa forma, influenciam a opinião pública para garantir o resultado a seu favor.

De acordo com levantamentos realizados por diferentes fontes, no Brasil apenas nove grupos empresariais – principalmente familiares – controlam quase tudo o que os demais 180 milhões de habitantes ouvem, vêem e lêem. À medida que um pequeno grupo de poderosos monopoliza a mídia, a apregoada liberdade de expressão e comunicação fica comprometida. A verdadeira democracia é desrespeitada, mesmo porque as concessões da radiodifusão fazem parte da moeda de troca entre as oligarquias políticas e os grupos comerciais da comunicação. (BEOZZO, 2006, p. 58-59)

 Assim como o direito à terra, o acesso à educação, à cultura, aos bens públicos e à riqueza produzida, o controle dos meios de comunicação ficou nas mãos de uma pequena elite, que o utiliza como instrumento para manter a hegemonia política, econômica e cultural. Ainda nesse sentido, João Brant (2005) – integrante do Coletivo de Comunicação Intervozes e da Articulação Nacional pelo Direito à Comunicação – afirma que:

No Brasil, a liberdade de expressão é um privilégio desfrutado atualmente por nove famílias, enquanto 180 milhões de pessoas precisam ficar caladas.

Constata-se que no Brasil apenas uma dezena de grupos concentra em seu poder a grande mídia. São famílias que têm uma trajetória política e que muitas vezes se mantêm ao lado dos governantes. Conforme observado por Caldas (2005, p. 10), são nove as famílias detentoras do monopólio dos meios de comunicação eletrônica assim distribuídas:

Em primeiro lugar encontra-se a família Marinho (Rede Globo), que detém 17 concessões de televisão e 20 de rádio. A família Sirosttsky (RBS), fica em segundo lugar com 14 emissoras de TV e 21 de rádio. A família Abravanel (SBT – grupo Silvio Santos), vem em seguida com 9 emissoras de TV. A família Câmara (Grupo Câmara) detém 7 concessões de TV e 13 de rádio. A família Bloch (Grupo Manchete), detinha 5 concessões de TV e 6 de rádio, agora nas mãos da Rede TV. A família Daou (TV Amazonas), é proprietária de 5 canais de TV e 4 de rádio. A família Zahran (Grupo Zahran) conta com 4 canais de TV e 2 de rádio. A família Jereissati (Grupo Verdes Mares), é proprietária de uma emissora de TV e 5 de rádio. O Grupo Condomínio Associados, por sua vez, detém 3 concessões de TV e 9 de rádio.

Partindo dessa realidade, observa-se que a política de comunicação no Brasil foi construída como instrumento de concentração de poder. A prática do monopólio persiste no país desde a monarquia e a velha República, em que não se respeitavam as constituições e se usava do privilégio para amigos e correligionários. Essa prática, que podemos chamar de cultura do compadrio, foi incorporada e persiste até hoje no cenário político-econômico.

A conseqüência da cultura política de sobrevivência no poder com base no fisiologismo, concessões com critérios de favorecimento político e desrespeito ao direito de todos, também está presente na atual configuração da distribuição de concessão oficial de exploração dos canais de comunicação, conforme aponta Silveira (2001, p. 258-259).

Por outro lado, parte da mídia está diretamente atrelada aos patrocinadores, ou seja, seu apoio é incondicional aos financiadores, que são organizações privadas ou públicas. Isso se torna complexo, pois dificilmente serão veiculadas notícias que possam constranger ou contrariar interesses de quem investe nesses meios.

O Brasil, no que concerne ao campo das comunicações, tem peculiaridades importantes que desafiam toda a ordem internacional. Falamos em desenvolvimento, convergência tecnológica, globalização, modernidade [...], porém, persistem ainda no país características que remontam a um passado político subdesenvolvido, no qual particularismos são definidores das políticas públicas, coronelismo e patrimonialismo persistem como modelos de administração do Estado e barganhas políticas guiam parte importante da atuação estatal. (LOPES, 2005, p. 50)

 Ao observar que, ao contrário de outros serviços públicos que não chegam ao conjunto da população brasileira (como água tratada, esgoto, posto de saúde, escola, telefone etc.), os sinais da televisão são captados por quase todos os brasileiros e considerando a grade de programação e o tempo que as pessoas assistem à televisão[1], pode-se também notar a influência dela sobre a vida das pessoas.

Uma sociedade que não controla seus meios de comunicação de massa, acaba por perder o controle sobre sua própria cultura, garantia de sua identidade e soberania. (GUARESCHI, 2005, p. 83)

Os veículos de comunicação de massa (emissoras de rádio e TV) estão concentrados em poder de poucas empresas situadas, em geral, em São Paulo e Rio de Janeiro, onde são produzidos os principais jornais, novelas e demais programas de entretenimento. Essa prática comunicacional pode ser apontada como um massacre às culturas regionais e locais, uma vez que estas são influenciadas pela programação massiva imposta pelos grandes meios e transmitida em rede nacional, além de não terem espaço para sua manifestação nesses meios.

Ao invés de oferecer um serviço público que atenda às demandas gerais da sociedade – em termos de informação, divulgação cultural e elevação do nível de consciência das pessoas –, o sistema dominante de comunicação freqüentemente acaba prestando um desserviço. Ele se apóia em padrões de consumo competitivo e nos valores que levam à alienação, exploração e desagregação social, o que legitima e sustenta o modelo econômico vigente. (BEOZZO, 2006, p. 58-59)

Essa mídia massificadora cria uma nova relação desigual na sociedade. Desigualdade notória entre emissores e receptores; entre quem produz conteúdo de comunicação e quem apenas recebe; entre pólos ativos poderosos e regiões passivas no processo de comunicação social. Assim como está, o sistema de comunicação tem uma configuração totalitária, na medida em que suprime o diálogo, impõe padrões de uns sobre os outros e trata as pessoas como meros consumidores, não como cidadãos plenos de direitos.

Nesse sistema de comunicação vertical, muitas vezes há um discurso intolerante, seletivo e mercadológico que estimula o consumo irresponsável. Consumo não só de produtos, mas também adesão a princípios e práticas de competição, individualismo e exclusão. Há propagandas ensinando como vestir, o que comer, o que beber, como se comportar, que marca consumir, como ilustra o exemplo abaixo:

Depois que Gerson, meio-de-campo da seleção campeã de 1970, virou garoto propaganda dos cigarros Vila Rica, foi promulgada a lei que leva seu nome. No comercial de tevê, dizia: “Gosto de levar vantagem em tudo, certo? Por isso fumo Vila Rica”. E a lei de Gerson instalou-se nos corações e mentes dos brasileiros. (ISTO É, n. 1578, 29 dez. 1999)

A legislação brasileira que regulamenta a programação das emissoras de rádio e televisão determina que se tenha, no mínimo, 5% de informação noticiosa e, no máximo, 25% de publicidade comercial. Pode-se notar que a própria legislação permite e incentiva a taxação mínima de notícias e a alta permissividade de propaganda, ou seja, que haja uso deliberado dos meios de comunicação para o marketing em detrimento de outra programação, além de deixar em aberto, sem diretrizes, os 70% restantes da programação.

Por exemplo, a legislação não prevê que as emissoras incluam em sua programação serviços de utilidade pública, valorização da cultura, apoio à educação, saúde, lazer etc. Isso faz com que não se tenha controle público sobre a programação veiculada atualmente nos grandes meios.

Com vista a ter clareza do papel dos meios de comunicação na sociedade e do direito humano à comunicação, há uma reflexão registrada no Boletim do Intervozes[2] que afirma o seguinte:

Assumir a comunicação como um direito humano significa reconhecer o direito de todos de ter voz. É o direito de ter acesso aos meios de produção e veiculação de informação, de possuir condições técnicas e materiais para ouvir e ser ouvido, de ter o conhecimento necessário para estabelecer uma relação autônoma e independente frente aos meios de comunicação. É exigir do Estado seu papel na promoção da pluralidade, da diversidade e da luta constante pela superação das desigualdades. (Boletim Intervozes, jan. 2005)

Em suma, não basta ter garantido na legislação o direito à livre expressão. É também necessário garantir que se tenha efetivado o direito ao acesso à comunicação, o que significa democratizar os meios, fomentando uma comunicação alternativa capaz de se contrapor ao monopólio da grande mídia e às leis de mercado.

Uma das possibilidades para democratizar a comunicação está sendo construída processualmente no país e caracteriza-se como “comunicação popular”.

*Graduado em: Filosofia, teologia, pedagogia, mestre em comunicação, radialista- locutor, fundador do Jornal Cantareira, da Rádio Cantareira,  Associação Cantareira, do Projeto de Alfabetização de Jovens e Adultos, pároco na paróquia São José Perus-SP, Coordenador da pastoral presbiteral, foi assessor durante 20 anos da pastoral da comunicação na Região Episcopal Brasilândia, defendeu a tese de mestrado em Jornalismo da Rádio Comunitária, 2006,PUC-SP, diversos artigos sobre comunicação e pastoral.



[1]  Segundo pesquisa do IBGE realizada em 2005, em média, os brasileiros assistem cerca de cinco horas de televisão por dia.

[2]  Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social é uma associação civil que atua para transformar a comunicação em um bem público. Fonte: www.intervozes.org.br.